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Andra Day: explosão de talento na interpretação de Billie Holiday

Opinião de Flávia Vieira @vieira_flavia

O ator Antônio Abujamra, em seu programa Provocações na TV Cultura, sempre indagava seus convidados com a pergunta: “o que é a vida?”.

Uma das inúmeras dificuldades em responder a esta pergunta está no fato de que aprendemos que toda resposta precisa fazer sentido. A vida, porém, é uma colcha de retalhos que não faz sentido nenhum. E, talvez, por isso, seja tão difícil transformar a vida em um filme.

Toda cinebiografia tem o desafio de se aproximar o máximo possível da vida do biografado, sem cair na armadilha de tentar reproduzir na tela a vida do biografado em si. Aceitar tais limitações permite que o filme cumpra o propósito de contar uma história em um espaço, tempo e ponto de vista.

Atriz Andra Day como Billie Holiday.
A caracterização da atriz Andra Day em “Estados Unidos vs. Billie Holiday” é um dos destaques do filme.

Cinebiografia de Billie Holiday

“Os Estados Unidos vs Billie Holiday” é uma cinebiografia que se propõe  retratar o auge da carreira da cantora, quando ela passa a ser investigada pelo FBI. Por ela insistir em manter no repertório de suas apresentações a canção Stranger Fruit. E o título já traz uma premissa bem delineada.

O problema é que o diretor Lee Daniels, indicado ao Oscar de melhor direção por Preciosa em 2010, não resistiu a tentação de por na tela os múltiplos conflitos de Billie Holiday. E com isso, transformando o filme numa colcha de retalhos que, em muitos momentos, não faz muito sentido.

Como hierarquizar acontecimentos da vida de alguém? Como eleger quem foi o telespectador mais privilegiado daquela jornada? Toda vida é um excelente primeiro tratamento de roteiro. O desafio é transformar o roteiro em uma obra arrebatadora. E primeiro passo para isso, é eleger o recorte.

Em “Os Estados Unidos vs Bilie Holiday”, roteiro e direção preferiram jogar luz a dor, ao vício e aos abusos sofridos pela cantora. Uma opção em detrimento do ao processo criativo, talento e relação com o público de Billie. Mas, o filme tem um trunfo. O brilho da atriz Andra Day que foi premiada com o Globo de Ouro de melhor atriz dramática pelo papel e indicada ao Oscar.

Protagonismo de Andra Day

Interpretação da atriz Andra Day como Billie Holiday.

Billie Holiday, primeira protagonista da atriz Andra Day, captura e emociona apesar do roteiro confuso. 

Andra soube fazer do limão uma limonada, o olhar, a expressão e a voz trouxeram para tela uma personagem maior do que o filme.

O título do filme suscita uma pergunta: que diabos teria feito essa pessoa para que um país se coloque contra ela? A reposta mais imediata é ter nascido mulher, negra, talentosa e carismática.

Muitos estado-unidenses amaram Billie, é verdade

Contudo, a ideia da nação capitalista, assumidamente racista, não suportou a voz de Billie Holiday se levantar para denunciar  o linchamento de pessoas negras. Atos tolerados pelo estado no país que tem como um de seus maiores símbolos a estátua da liberdade.

Strange Fruit é um poema protesto ao linchamento de negros nos Estados Unidos, escrito pelo escritor Abel Meeropol, em 1930. O poema foi musicado pelo autor anos depois e cantado por muitos artistas. Porém, foi Billie Holiday, que ganhou impacto. De olhos fechados, iluminada apenas por um feixe de luz, no palco do Café Society, em Nova York, cantando essa música como uma oração, noite, após noite.

Com isso, transformou Strange Fruit em um símbolo da denúncia de violações de direitos humanos contra afro-americanos.

Talento que ecoa para além das telas

Ao criar sua versão de Billie Holiday, Andra Day se coloca como herdeira das mulheres negras que levantaram a voz antes dela. Na Billie de Andra ecoa as vozes de estrelas como de Ma Rainey, Nina Simone e Whitney Houston.

Ao tomar posse dessa herança, a atriz materializa o símbolo da resistência do povo preto em diáspora. E empresta sua voz e interpretação a dor de uma mulher.

Uma mulher negra que, antes mesmo de nascer, tinha a história de um país inteiro contra a sua existência. Um país que desumanizou e escravizou o povo preto e até hoje segue querendo bani-lo de sua história.

Flávia Vieira é jornalista, roteirista e colunista dos canais Prazer, Karnal e Coluna do Garrone, no Youtube. Apresentadora dos podcasts @senaomefalhaamemoria e @parlare

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